Celulares e infância
Para cada hora na frente de telas, pesquisadores estimam perda diária de sono de 12 minutos
Jairo Bouer*, O Estado de S.Paulo
16 Abril 2017 | 05h00
Se você anda arrancando os cabelos porque seu filho adolescente não desgruda do celular, tente lembrar como e quando esse comportamento começou! Bingo! Será que não foi você mesmo que, ainda na primeira infância, mostrou uma tela para ele?
Nova pesquisa feita no Reino Unido mostra que 75% das crianças até 7 anos têm acesso a algum tipo de tela todos os dias. Até mesmo metade dos bebês de 6 a 11 meses de vida também já está exposta diariamente ao uso de tecnologia. O tempo de exposição às telas dobrou entre crianças de 2 a 3 anos. Os dados foram divulgados pelo jornal inglês Daily Mail na última semana.
E adivinhe de quem eram as telas que bebês e crianças usavam? Na esmagadora maioria das vezes, eram os celulares e tablets dos próprios pais. A grande preocupação de especialistas é que essa exposição precoce à tecnologia possa estar atrapalhando o sono dos pequenos e, por tabela, tendo impacto em suas emoções e relações sociais.
Para cada hora na frente de telas, pesquisadores estimam perda diária de sono de 12 minutos. Se o uso ficar mais frequente, comum com o aumento da idade, os jovens podem passar a dormir menos do que o necessário para um bom desenvolvimento cognitivo, o que pode ter consequências negativas no futuro acadêmico, por exemplo.
A popularidade e o fácil acesso às telas é realidade e os pais precisam estar atentos a esse fenômeno, já que são eles mesmos que deixam a criança se distrair com celulares. Criança quieta em restaurante ou avião, com momentos de sossego e tranquilidade para os pais, é quase sinônimo de filme ou jogo em alguma telinha. Não é mesmo?
Em novembro de 2016, durante sua conferência nacional em São Francisco, na Califórnia, a Academia Americana de Pediatria flexibilizou a posição em relação ao uso de tecnologia pelas crianças, em função da mudança de comportamento dos pais e do uso pedagógico das ferramentas digitais. Segundo a nova recomendação, o uso de telas por menores de 2 anos, antes não autorizado, e a restrição de duas horas diárias para os maiores, passam agora a ser ajustados individualmente, levando-se em consideração o conteúdo e o envolvimento dos pais.
Apesar de trabalhos anteriores mostrarem benefícios na exposição precoce à tecnologia, como adquirir mais rapidamente habilidades motoras, o uso excessivo pode causar piora no padrão de sono e alterações nas emoções e saúde. O impacto no sono dos pequenos acontece, possivelmente, porque ficam mais estimulados com as imagens e ações na frente dos seus olhos.
Outra explicação possível para o estudo é que os pais de crianças que já tinham dificuldades em dormir oferecem mais os celulares aos filhos para tranquilizá-los. O problema é que isso pode ter exatamente efeito contrário, deixando-os ainda mais “ligados”.
Bom lembrar que esse efeito não é exclusivo de crianças. Adolescentes e até adultos têm maior dificuldade em pegar no sono quando estão na frente das telas, principalmente quando esse contato é mais interativo, como no caso dos jogos e das redes sociais.
O uso precoce e maciço de tecnologia pelas crianças pode ter mais uma consequência preocupante na vida escolar. Duas mil professoras foram entrevistadas por uma pesquisa, feita pelo Sindicato Nacional das Professoras do Reino Unido (NASUWT), que revelou que 98% delas têm alunos enfrentando problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade ou ataques de pânico.
Para as professoras, o uso frequente das redes sociais está por trás desse fenômeno. Apesar de mais comuns entre os adolescentes, 18% delas têm alunos de 4 a 7 anos enfrentando dificuldades emocionais e, 35% dão aulas para crianças de 7 a 11 com esses transtornos. Os quadros são mais frequentes entre as meninas. As informações foram publicadas no Daily Mail na última semana.
Os dados mostram o quanto é urgente e importante que pais e escolas rediscutam melhor o uso das tecnologias pelos mais novos. Como anda esse papo na sua casa?
* É PSIQUIATRA
Comentários
Postar um comentário